Singeleza.

Nesses tempos de chuvas, temporais, de águas de março... mais uma notícia triste aos corações.

Seu Zé se despediu dos planos terrestres... uma grande figura da Escola de Teatro de Salvador (UFBA). Uma mistura única do singelo com o rude, da simplicidade com a bravura, da paixão com a pureza...

Deixo aqui uma pequena homenagem, que muito me identifico, feita pelo inspirado Alan Miranda :

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'Seu Zé
 
Seu Zé tá sentado,
sozinho, no banco. 
 
Eu chego, aceno e sento ao seu lado.
 
- Seu Zé. Tenho algo para lhe dizer que não sei se vai gostar.
 
Peço pra ele dar uma olhada em volta. 
Tudo branco. 
Branco, branco, branco. 
E só eu e ele, 
sentados, em um banco de praça. 
Que também é branco.
 
- Que é que tem?
- O Senhor não acha estranho o ambiente?
- Você acha?
- Seu Zé, não há nada, só brancura, só isso.
- E...?
 
Não podia mais enrolar.
 
- Seu Zé, o senhor faleceu.
- Foi...? Quando?
- Ontem. Pela manhã. 
- Estou morto?
- Tá sim.
- E você?
- Tô não. Ainda não. Vim só me despedir do senhor.
 
Ele me olha sem susto. 
Ri, suavemente.
A gente se abraça. 
Ele ainda me dá uns tapinhas nas costas.
Me levanto. 
Seu Zé continua sentado. 
Tô sem graça.
Começo a caminhar. 
Paro.
 
Falo que, esse ano, eu já perdi muita coisa. Ai, pega , chega ele e  morre...
 
Seu Zé dá uma risada educada.
 
Digo que a gente conversou só umas 6 ou 7 vezes em 10 anos. 
De resto, me dava tapas nas costas e dizia: “Os Donzelos!”. Ele adorava essa peça.
 
- Os Donzelos!
 
Sim, sim, era assim mesmo... 
 
Velhinho, sem dinheiro,
sem emprego,
sem quase nada na vida,
mas amava ficar naquela Escola de Teatro.
Como eu e muitos outros.
 
Digo que tenho medo de ficar velho.
E de morrer.
 
Outra risada.
 
Mas é forte saber que o senhor, seu Zé,
mesmo velho, sozinho, sem dinheiro,
humilde,
deixou muita, muita gente triste
e saudosa.
Muita mesmo.
 
- Os Donzelos!
 
É seu Zé, os Donzelos... 
 
Volto para abraçá-lo de novo.
 
Abraço seu Zé, de novo,
no meio daquela brancura machadiana. 
Tenho a impressão de estar me despedindo não só dele, 
mas de tudo que é a Escola e o seu universo.
 
Dessa vez, vou embora a passo firme.
 
Seu Zé:
- Vai voltar aqui, donzelo?
 
Paro de novo. 
Respondo:
 
- Acho que não, seu Zé... Sou ateu. Pra mim, morreu, morreu.
 
Meu olhar é triste. 
 
E Seu Zé não para de rir.'


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Ria muito, Seu Zé! 
 

[R.I.P. 'ei, palhaça!']

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