O telhado novo.

E de novo, e de novo, e de novo. Sempre aquele mesmo papo repetitivo. Como se fizesse somente uma pausa para dormir, comer, ir ao banheiro, beber, tomar banho, sair de casa, voltar pra casa e sempre, sempre voltava ao que estava dizendo antes, ou melhor, a tal sensação de antes.

Outro dia, ao levantar da cama e sentar na cadeira pesada de madeira, que fica em frente ao computador e que não deveria usar mais, já que só piora o estado de sua coluna e aumenta o risco dos cupins atacarem novamente a casa, pôde observar a seguinte situação: um pedreiro, na verdade, vários pedreiros, uns vinte pelo menos, há uns dois metros de distância de sua janela. Era uma obra no telhado ao lado e ela não havia percebido! Ao lado, e não percebeu.

Como? Eu disse: COMO não sentiu o barulho antes? Parou. Pensou. Ficou  alí. Estática. Rosto reflexivo diante do céu, do telhado quebrado, e claro, dos pedreiros. Devia realmente estar perdida na repetição doentia. E pior, a sua janela nem tinha cortinas. Há quanto tempo será que eles estavam alí? Será que estavam no final, ou no início da obra? Onde estava a roupa que esquecera de vestir? Por que continuava  agindo como se nada tivesse acontecido? O que iria fazer para o jantar? Eram muitos questionamentos de vida em poucos segundos. E ela não tinha a resposta de nenhum deles.

Olhando mais uma vez à sua frente, sentiu que a recíproca, entre ela e os pedreiros, era verdadeira. Não a tinham notado; pelo menos, era o que pensava. Já que os homens, todos aqueles homens, continuavam seu trabalho sem parar, incessantes. O que lhe causava naturalmente um sentimento de proximidade, de repetição compartilhada...  Afinal, do telhado velho quebra-se, tira o que está gasto, ajeita o que restou, conserta, põe outro no lugar, um  material novo, que dure mais. A tal da resposta que procurava.

Finalmente, alguma de todas àquelas perguntas havia sido respondida. Renovar. Tudo alí, bem ao seu lado. E ela nem tinha ouvido o barulho antes... e ela nem tinha sentido nada antes, e ela nem tinha visto antes! Não acreditava no tal acaso, nas coisas do destino, nem em conspiração, expiração, inspiração. Tudo piração na verdade. Prosopopéia inventada pra enfeitar o óbvio, a realidade sem graça dos outros, e a sua também. Continuou parada diante da janela... corpo nu, céu, poeira, os pedreiros e agora, o telhado novo.  


Foto: Viviane Abreu


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