De renascer, sem morrer.

PÁ!

E se de repente você acordasse e a vida não fosse mais como costumava ser? Nem sempre as mudanças vem em calmaria, na verdade a maior parte delas são tempestades vorazes. Disse, certa feita, uma professora minha que toda experiência de vida vem acompanhada de dor, aquela angústia, dúvida, receio que a gente sente: é dor disfarçada, camuflada.

Nesse momento o que sinto é um misto de solidão com novo formato de vida. Sei que agora ela continua aqui, mas de outro jeito, outra forma, outro tipo de presença. Sei também que a vida foi generosa até no momento de despedida. Quantas são as pessoas que podem se despedir de quem mais se ama? Poder lhes falar: "eu te amo" e ouvir um "eu também", antes que tudo seja findado.

Acho que não existe sentimento de culpa, porque simplesmente não houve culpa, nem desculpa. Tudo que estava ao alcançe foi feito. Até ultrapassar os próprios limites, reinventá-los, redescobri-los. A vida é que é efêmera, demais. E os momentos se fazem preciosos em cada chegada e em cada despedida.

No dia em que ela foi embora estávamos ao seu lado, cada uma segurando uma de suas mãos. Pensava em mil coisas, um filme na cabeça do antes, do durante, do depois, do agora. Cada suspiro seu era uma vontade de que a realidade fosse apenas sonho. Uma vontade louca de me jogar em seu colo, de abrir os seus olhos já repousados e falar "mãe, olha pra mim!".  Um misto de "não vá, fique aqui. Como vai ser minha vida sem você...?" com um "pode ir, mãe, a gente vai ficar bem, não precisa mais sofrer...".

É louco esse sentimento do presente, quando as coisas parecem se acalmar, de repente, tudo começa a lembrá-la, até o que nem fazia tão parte de mim antes. Uma música, uma imagem, uma comida, um objeto... qualquer coisa é lembrança. E não é que seja só dor, mas dói quando cada ficha que cai, joga na cara de que agora sim esse pra sempre, é pra sempre.

Tenho medo às vezes de me tornar repetitiva, mas é tudo recente, tão recente. Tenho medo de me acomodar na dor. Do que sei é que devo me acostumar agora com esse meu novo ser. Tantas vezes forte, preciso de colo sim, de abraços, de palavras boas, de carinho, de amor, de prazer. É bom receber, é bom pedir. Preciso errar mais. No erro sou gente, me refaço. Eu perco, mas me ganho. Em essência.

Hoje penso que muitos dos desejos que tinha, a vida acabou me apresentando, nesses últimos tempos, de uma nova forma. E algumas conclusões vem com o tempo mesmo, vem com as diferentes falas, com as diferentes formas de pensar, de experiências. 

Já tenho lições que não esquecerei jamais. Uma delas praticamente um presente, descobri dois dias depois de minha mãe ir embora... conversando com uma amiga. Estava chateada pelo fato de querer muito que ela pudesse estar comigo na chegada de seus netos, meus futuros filhos, e em vida, mas não deu. Assim como aconteceu comigo também. Não cheguei a tempo de conhecer meu avós, nem maternos, nem paternos. Não queria repetir isso, mas a moral da história veio ao contrário. Antes de ter meu filhos, eu pude cuidar de minha mãe, assim como ela cuidou de mim. De dar muito amor, aprender a abrir mão de planos só pra mim, passar madrugadas sem dormir, dar remédio, dar banho, dar suporte, acreditar. Meu primeiro filho foi a minha própria mãe. E eu ainda pude retribuir tudo o que um dia ela me deu, e sim, em vida.

Acho que no final das contas é isso que vale a pena, as boas memórias, mesmo com a saudade que trai, que pega de surpresa. Minha mãe me deu a oportunidade de ser uma pessoa incrível, assim como ela. Ainda não cheguei lá, tenho muito a aprender, a saber me virar, a me cuidar, mas eu chego lá, chego sim, minha veinha.


minhas pérolas por Rodrigo Wanderley


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