À luz de velas.



Nunca pensei que uma falta de luz pudesse ser tão inspiradora... ponto de vista ou ironia da vida?

Estava dormindo e fui acordada pela tal falta de luz, quer dizer, não por ela em si, mas enquanto consequência. Ao lado dela estava minha irmã, que fez questão de me prevenir: - Melhor desligar logo tudo, pra não queimar nada
Pois é, no intervalo do meu sono embalado pelo fim de tarde de domingo, fiquei sabendo por minha irmã, que já passávamos pela terceira queda de energia no prédio, e só naquela noite. Era um tal de ir e voltar, quase como pegadinha sem graça, também de final de domingo. 
Pausa. No meio da nossa conversa sobre o esconde-esconde de luz, ouvimos uns gritos do lado de fora do apartamento. A porta foi aberta ainda a tempo de podermos entender o que era indagado ferozmente do lado de fora: - Quem é que está brincando com a luz? Vai queimar meus aparelhos eletrônicos!
Era a vizinha que vociferava aos quatros-ventos-do-próprio-umbigo sua revolta, enquanto descia as escadas apressadamente para dar o flagrante no brincalhão. Pena que ela não achou ninguém e acabou voltando para sua caverna, sozinha. Engraçado é que ela é uma vizinha jovem, e acho muito irônico tamanha prepotência - já constatada em fatos anteriores a esse -numa pessoa tão nova. 
Mas voltando ao ponto do meio, depois do momento da vizinha-o-universo-gira-em-torno-de-mim e do conselho sobre o vai e vem de energia, minha irmã resolveu iniciar a missão intitulada:  tomar banho. 
Agora era uma incógnita se a luz voltaria a cair novamente...  E se, e se fosse bem na hora do banho?! Não me contive, e a indagação da tal vizinha agora pululava em minha cabeça: Rapaz, e se o chuveiro queimar? Logo o único chuveiro que ainda funciona direito na casa!
Parei. Parei e vi que estava entrando em contradição. Agora era eu, que pensava tal como quem eu acabara de julgar no minuto anterior. Quer dizer que se a luz acabasse bem no meio do banho a preocupação seria com o chuveiro? Mesmo? Daí imaginei que muitas pessoas poderiam pensar assim também, no automático, e que poderia ser por isso que os seres humanos correm mais riscos que os chuveiros. Que perigo...!
Sei que no meio dos meus pensamentos atordoados, o tempo brincou com toda aquela situação, e como se fosse milimetricamente arquitetado, assim que minha irmã terminou seu banho, arrumou-se e pôs os pés para fora de casa, a luz tornou a cair. E levantar, claro, alguns emocionantes minutos depois.
Me adiantei e fui atrás das velas, o telefone tocou. Era a própria, que parecia ter adivinhado: - Acho melhor ligar para a companhia de luz, pois saindo de casa vi que tinham alguns fios soltos no poste na frente do prédio... pode ser isso. Foram apenas cinco minutos, e pá! Somente o tempo de eu já estar na linha com um atendente da companhia. Agora a energia tinha ido embora de vez. 
Enquanto falava ao telefone para registrar o ocorrido, tentava acender as velas com a  ajuda da luz que vinha do céu... e não era de Deus, ou era? Registro feito, previsão de três horas para que tudo se normalizasse, fui dar uma chance ao que a vida me propunha para fazer naquela noite de domingo: admirar a lua, à luz de velas, na janela. E isso era pouco, era preciso ainda música e escrever. Aquele momento era único na velocidade dos meus dias que se repetiam em algumas doses de melancolia, surpresas e perdas.
Já havia começado a escrever a crônica das velas, e do chuveiro, e da vizinha, quando a luz voltou. Meros trinta minutos de escuridão depois, e pá: fez-se luz! Só que, agora, não existia mais vontade de acender nada, nem preocupação em queimar um chuveiro que fosse. 
Agora era a luz da vela, a lua na janela, o escrever, a música ecoando no ouvido e saindo pela boca. Já me bastavam. Desliguei novamente todas as luzes artificiais, dessa vez, por vontade própria. Deixei que os pensamentos continuassem a ser iluminados à luz de velas. Penso que por vezes tenho deixado essa energia natural em desuso, quando iluminar-se é preciso, principalmente no escurecer do dia. Hoje, me acendi.


[Baseado em fatos reais, ou melhor, luzes reais. Válido salientar, que hoje, um dia depois da crônica vivida, também houve queda de energia bem na hora em que fazia esse post. Deve ser lembrança.]

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