Da série: Isso é coisa da Bahia - Crônica 1.


Salvador, 08 de agosto de 2013

Do Porto

Tarde de sol na tarde de inverno de Salvador, depois de uma chuva violenta pela manhã. Uma ligação quase no fim do dia faz um convite muito bem-vindo "que tal uma praia?". Ok, aceito de bom grado, tudo que precisava era um mergulho com Yê, rainha das águas, tem tempo que a gente não conversa profundo. Chego um pouco antes na praia, o sol é quase como um abraço caloroso. Me encosto no alambrado-varanda e observo um pombo, que ao invés de voar, prefere subir a escada que dá acesso a praia, degrau por degrau. Pois é, não tá fácil pra ninguém, quem sabe o colesterol dele estava alto, ou apenas preferiu um pouco de mudança na rotina, uma vida mais saudável. Resolvo variar de lugar, enquanto espero minha companhia, e me aproximo de uma barraca de coco. De repente um rapaz vira pro dono da barraca e trava-se o seguinte diálogo:

- Você fuma?
- Ahn?! ... não.
- Mas fica doidão, não é?!
- (o dono da barraca continua o exercício da compreensão)
- É rei, essa praia só tem cheiro de maconha. Vem tudo pra cá com o vento. Cê não sente não? Imagine no módulo (policial, que fica bem próximo ao local)!

O breve diálogo finda-se. Rio internamente, o tal rapaz bem tem razão, é quase uma praia aromatizada, incensos naturais, eu diria, melhor que cheiro de mijo. Nesse meio tempo minha espera enfim termina. Descemos até a praia, um dos barraqueiros se comunica com alguns turistas que chegam até a areia "cadeirita, cadeira, si?". Poliglotês aqui é no feeling. Passamos por algumas pessoas, não muitas, e seguimos até um local para estender as cangas. Assim que sentamos um cachorrinho se aproxima. Palavras fofas fogem de nossas bocas. Fazemos carinho e cumprimentamos aquela belezura de cãozinho, até que ouvimos: “Saraaaaaa”. Ops, era uma menina. Sara continua ali paradinha, até que se levanta, mas não pra ir embora. Sara agora deita em nossas cangas. Sara é bem simpática, um pouco entrona certamente, como boa cadelinha soteropolitana. Sara também precisa de um banho. No meio de minhas conclusões a dona de Sara volta a falar com a boca-megafone e ela resolve voltar. É a hora certa para um bom mergulho. Caminho até a água e antes do primeiro mergulho, ouço uma voz ao meu lado: “você é palhaçinha, né?”. Penso, Deus ta me caçoando, não é possível, até aqui! Respondo educadamente e engato no papo com... a dona de Sara. Olha que coincidência! Em poucos segundos começo a perceber o porquê da cadelinha estar sempre longe, mesmo voltando (afinal precisamos ter um lugar para voltar), sua dona é de fato uma figura exótica. Agora ela vai se afastando, e ainda assim continua a conversar. Fala e se afasta, fala e se afasta. Até que não ouço mais nada do que ela diz, e ainda assim continuo balançando a cabeça e concordando com tudo, o balanço das ondas ajudam. Ela se vai. Enfim só eu e Yê, batemos um papo, finjo que estou regendo suas ondas, faço exercícios como se estivesse em uma fisioterapia marítima. Volto para a areia. Agora chegou a vez do cochilo pós-mergulho. Fecho olho e “Saraaaaaaaaaaaaaaa”. Sara voltou, saiu, e agora faz novas amizades. Uma nova tentativa em me desligar do universo externo. Olho o céu, suas nuvens imensas, o olho começa a fechar, quando: “ô véi, CÊ não quer fazer um corre aqui não? É, pegar uns negócios aqui. Có foi? Cê é viado é? Tá, tou lhe esperando mas venha mesmo, que senão eu vou de buzú.”. A senhorita que está próxima a mim e minha amiga desliga o celular e complementa, para um amigo seu: “era um ex-namorado meu”. Rimos, eu e minha amiga em espasmos internos. É muita pra Bahia pra pouco dia. Uma nuvem cinza cobre o sol, hora de ir. Recolhemos tudo, por hoje o dia já foi bem intenso.   

Registro meu, do cenário-Porto.

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