sobre o afeto,


Quando minha mãe faleceu eu pude entender de verdade o que era a dor, antes era só treino. Perder alguém que você tem uma ligação muito forte é tão tanto, que às vezes não comporta e você transborda se desfazendo, pensando que é o fim, pensando que o amanhã de repente não tem mais sentido. Mas é depois do desfazer-se que vem também algum lapso-momento-pausa de consciência em que é definido algo prático e racional. Comigo foi assim. Eu tinha definido que nenhuma dor seria maior que aquela, que qualquer coisa dali em diante seria suportável. E é, até então. Só que tenho descoberto que para além da compreensão da dor e do quanto ela é necessária (que é diferente de condicional - vide "síndrome de Jesus") para um crescimento, ainda preciso um tanto compreender do caminho do afeto. E o afeto-referência pra mim cabia confortavelmente dentro do amor incondicional de minha mãe, que virou memória. Com ela sempre soube que eu nunca estaria sozinha, perdida, sem parâmetro, sem acolhimento, a qualquer hora, a qualquer momento, urgência, necessidade. Na verdade não é só a juventude que nos traz a fugaz sensação da imortalidade, é o amor incondicional que nos é apresentado em alguma figura referência. Eu acredito nisso. E acredito também que hoje ela me deu a oportunidade de aprender a ser só e ainda assim redescobrir e encontrar o caminho da construção do afeto, dos afetos, que existia/m e existe/m para além de seus braços. Escrevi sobre tudo isso, pois ontem ao assistir Nise - O Coração da Loucura, entendi o que já conheço sobre a dor, mas que ainda descompreendo dos caminhos do amor, que não estão só no sentir, mas no vivenciar e construir sem querer apenas controlar, ter controle sobre. E que mesmo tendo escolhido a profissão de Palhaça - que celebra as derrotas humanas, o desencaixe, o erro, as experiências físicas/emocionais/psíquicas que nos tornam únicxs dentro de nossas histórias - eu ainda me levo muito a sério. Na verdade, temos nos levado muito a sério. Ao contraponto de que o afeto e o amor se constroem nas delicadezas do que é humanamente ridículo, desproporcional, natural, único e não menos poético. A loucura também é parte. O que é o normal?

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