Diários de SP: Contra-fluxo.

25 de junho de 2018


Contra-fluxo. Na rua "Não tenho" "Não posso ajudar". O rosto que vira para o lado contrário, o olhar que não cruza com o outro, evita, foge. Quem pede algo, insiste, fala, repete, expõe. A necessidade grita. A dor, o frio, o desespero, a solidão, a violência. O cinza. Um grande purgatório a céu aberto. E quem sabe o desafio seja se manter humano com tantas feridas abertas que precisam de atenção. Ou seria o não se tornar máquina, não se esconder comodamente entre camadas de roupas ou em sentimentos engasgados travestidos de fumaça. O toque sem querer de mãos no transporte público em que o outro pede desculpas como se tivesse cometido um ato terrível. Encostar, sentir. A distância contida na proximidade para o cumprimentar. No contra-fluxo o sol que traz cor, os sotaques que se reconhecem e acalentam, os abraços fortes e de corpo inteiro de quem confia sem questionar, disponibilidade. O olho que não escapa ao agradecer, a poesia rabiscada nas paredes, nos palcos, nas canções, nos risos, nas ruas, nas peles, nos pequenos detalhes. As conversas que sobrepõe as funções. O reconhecimento do ser. E por mais que haja tanto peso em existir por aqui. Há algo maior que pede tempo. O outono passou e o inverno faz sua entrada: d e v a g a r.

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