vida e morte


Escrever é como visitar um lugar, um estado mágico, seja na possibilidade pretensiosa de traduzir o intraduzível, seja pela espontaneidade das revelações organizadas que habitam em palavras e suas construções de sentidos. mais de um ano de pandemia nesse agora e vivendo no Brasil, há de se pontuar isso, pois como se não bastasse todo o desafio que é sobreviver nessas condições, ainda há um país sendo completamente desmantelado. parece que estamos vivendo 20 anos de uma só vez, só que indo para trás. é triste. e muitas vezes sufocante. viver de Brasil. esses dias vi uma postagem que falava sobre o quão temos convivido com a morte e seu assombro. meu maior aprendizado (que eu achava até então), sobre esse assunto, havia sido a morte de minha mãe. acompanhar um processo violento em relação ao câncer, até seu último momento em vida. seu último suspiro, cena que só vi em filme e tinha muito longe da realidade. foi a primeira vez que vi a morte alí, de pertinho. num sentimento contraditório de desespero e alívio. pois penso hoje, que a às vezes lutamos pelo nosso apego, pelo nosso bem próprio. pelas circunstâncias e consequências, da doença que minha mãe vivia, prevalecia naquele momento seu sofrimento. e fico pensando que essa espera pela cura, pelo milagre, talvez tenha (ou deva ter) algum tipo de limite.será que seu corpo só pedia pelo descanso? daí que voltando para o hoje - quando me iludi de que após conhecer tão de perto a morte, ela já não mais me assombraria tanto assim - veio a pandemia, vem a miséria humana, vem um lugar de extremo generalizado. estamos frágeis, buscando nossas fortalezas sem intervalo. e sim, isso é desumano. o poder de desabar deveria ser legítimo. o que acontece é que não temos tido tempo para absorver nada plenamente. a morte, a despedida, a violência foram banalizadas. e não digo aqui num sentido único, mas nos mais diversos possíveis. na exigência por produtividade numa sociedade que vibra pelo capital, pelo quantificar, pelo robotizar, pela manutenção de poderes. a gente se perde, sabe. estamos todos perdidos e acovardados. isso não deveria ser tão terrível assim. se é justo na fragilidade que nos fazemos humanos, e na união que encontramos as melhores soluções. mas não é esse o caso. é como se os sopros de esperança fossem contabilizados. de março de 2020 a maio de 2021,  sinto  como se eu tivesse vivido muitos anos de forma totalmente atropelada. uma guerra dentro e fora. isso sem pensar nas consequências futuras, as urgências de falar tudo que tanto se guardou, o medo do toque, do encontro, do abraço, a ansiedade de cada hora, de cada momento, e a morte, alí acompanhando tudo de perto. nunca me despedi tanto de pessoas em minha vida. faço um paralelo com a juventude, uma época em que muitos - de acordo aos seus privilégios - se sentem imortais. agora a morte me dá bom dia todos os dias, e convivemos. porque ela sempre esteve. a verdade é essa. nem sempre tão frequente. nem sempre de maneira figurada. agora é viver aprendendo a conviver com a própria. em todos os âmbitos, seja do pedaço de mim que em que já não me reconheço mais, seja no adeus de alguém. a morte nunca foi sobre o fim, vive por todos os lados. agora mesmo, eu acabo de me despedir das palavras que escrevi aqui.

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