Um pedaço de autobiografia autorizada,

há três textos seguidos que escrevo para o blog e acabam ficando em rascunho... apenas não consegui terminá-los. falta de atenção, foco, impaciência, quebra de pensamento... hoje acordei de um sonho muito doido, que misturava globais e personagens significativos da cidade onde moro, o cenário era um hospital. claramente meu inconsciente trabalhando pois em breve parte desse sonho será real. bom, o ponto principal desse texto não é esse. na verdade, em partes, acordei passando um sermão em mim mesma. fui dormir assim também. agora diante dos meus 35 anos tenho reconsiderado e revisto muita coisa. às vezes dá medo de não ter tempo suficiente do que almejo viver (para além do sublimar que estamos em pandemia y moro no país brasyl). sobre o tempo, cabelos brancos, rugas e tudo que cai... é o horror o que fazem conosco, principalmente nós mulheres, com as paranoias do envelhecimento. o que falava comigo é que existem dois marcos históricos de minha vivência aqui na terra, que foram determinantes na continuação de scripts e construção de meus sentimentos e afetividade: a separação de meus pais e a morte de minha mãe. vida e morte. separação e abandono. desmoronar e despedida. quebras de paradigmas e reconstruções. eu achava que meus pais ficariam para sempre juntos, ao menos era assim nos filmes e no colégio ao ostentar pros coleguinhas que meu pai e minha mãe não haviam se separado no boom dos divórcios acontecido nos anos 90. libertações, cá entre nós. quem precisa alimentar casamentos falidos embebidos num falso romantismo? o patriarcado, o machismo, o capetalismo. lembro muitas vezes de flagrar as DR's dos dois em casa. éramos eu, minha irmã mais nova e eles morando juntos. e falavam sempre das filhas. não sei se a desculpa perfeita para continuar alimentando aquilo ou se o fardo terrível e cheio de culpa. aos 21 anos tive essa notícia: vamos nos separar. no fim, foi importante para todos nós. perdi as mesas de refeições em família que já não eram mais a mesma coisa... me afastei de meu pai, principalmente depois de um episódio que tivemos que lidar com a polícia (eu quase nunca falo sobre isso), mas foi uma das primeiras vezes que vi lugares de extremo naquele homem, que quase não era meu pai por instantes, mas era, era ele sim. foi nessa mesma idade, em 2007, que comecei a beber. e sim, eu era aquela pessoa que dizia aos quatro cantos (por que quatro, hein? são as direções: norte, sul, leste, oeste?): "nossa, como alguém consegue ficar bêbado? como consegue beber cerveja, algo tão amargo? como consegue beber isso e ficar assim?". acho que aprendi que não era tão amargo como imaginava, e o efeito de suspensão da realidade compensava o gosto no início. porque depois, meu bem, depois o gosto é parte e fica bom. adivinha qual minha bebida preferida hoje em dia? pois sim (espero que você tenha pensado cerveja + água, visto que depois de uma idade - que já revelei - beber esse combo é como um toque de maturidade anti-ressaca). na época não associei a isso (separação + começar a beber) em nenhum momento, era jovem, a rua ficou mais atrativa e os amigues também. porque será, não é? fiquei praticamente um ano bem distante de meu pai, já não nos víamos mais com tanta frequência e foi também o auge do aparecimento de sua Esclerose Múltipla, o que na verdade já se revelava em comportamentos antigos dele. nessa mesma idade ainda perdi a virgindade, completamente sem planejamento ou romantismo (o qual eu era obcecada). aconteceu numa viagem de fim-de-ano para outro estado, com um cara que vi pela segunda vez na minha vida e que não tive coragem de falar que aquela era minha primeira vez. bebi um pouco de vodca com limão nesse dia, aquela bebida docinha engarrafada com nome gringo para gelo. o beijo foi muito bom, devíamos ter ficado por aí. acabamos num motel, que nunca voltaria na minha vida. a cama depois do ato parecia um cenário de filme de terror, não vou entrar em tantos detalhes mas havia bastante sangue por conta do rompimento do hímen (mais uma barreira rompida na vida, porém sem cuidado algum). eu não sabia o que fazer antes, durante ou depois. foi estranho. muito estranho e doloroso. literalmente. não há como haver intimidade sem conexão. dias depois, de volta em casa, descobri que o cara era casado (ele não morava naquela cidade) e a esposa tinha o mesmo nome que  o meu. me senti péssima, uma distração de férias qualquer... sangrei física e depois simbolicamente (ainda no aguardo da vivência de uma relação afetiva com um homem que não se torne uma má lembrança, um trauma, ou um pedido de desculpas). é claro que não fui obrigada a nada e confiei naquela pessoa que só conhecia há dois dias.  só que é aqui onde está - ou deveria estar - meu senso de auto-responsabilidade afetiva, porém eu ainda não tinha essa consciência e nem a maturidade que tenho hoje comigo e com o meu corpo. não cresci aprendendo a amá-lo, meu corpo nunca fez parte do padrão da sociedade. continuando os marcos históricos, o ano era 2011 quando minha mãe descobriu um câncer, foi um ano difícil. minha mãe finalmente estava vivendo um romance com um senhor que era muito legal, ao menos sentia ela assim: mais livre, mais leve, e não apenas por ele, mas pela liberdade de viver um outro amor. e assim como eu, ela também amava viver o amor. o que é bem perigoso. armadilhas das ilusões e projeções. já meu pai, estava em sua terceira relação séria (minha mãe havia sido a segunda) e justo com a sua primeira namorada na vida. sempre achei que os homens parecem ter uma sorte nos pós-separações. até compreender que a existência de mulheres legais é superior a de homens legais, aqui falando apenas desse universo hetero ao qual tenho vivência. é triste. pra cada mulher foda que se liberta, um homem meio termo emenda uma nova relação. medo eu tenho hoje é desses demônios que desgraçam a vida das mulheres em sequência. porque parece haver um medo terrível do luto, de estar só, e quando o lugar maternal do ser cuidado e nunca assumir as dores das próprias responsabilidades, se travestem fácil de "novo amor". foi na sequência desse ano, que minha mãe veio a falecer, o câncer tomou proporções irreversíveis. em janeiro de 2012 ela faleceu, o último suspiro alí na minha frente e de minha irmã. o ruim do luto é que existe a memória, então quando você pensa que algo apaziguou, uma música, uma voz, um trejeito, um cheiro te diz que ainda não. daí é a parte que a gente entrega ao tempo, o que para esse processo é fundamental: não dá pra adiantar aquilo que só pode ser vivido no seu próprio tempo. entendi isso. aceitei a dor. e aceitei também um lugar que não me trouxesse os riscos de assumir qualquer compromisso, apesar de na minha cabeça ser exatamente o contrário. maquiei o medo do abandono, da despedida, da pior forma: aceitando qualquer migalha como grandes possibilidades de afeto: pessoas que não me assumiam, que me hiper sexualizavam, ou as quais eu oferecia um tipo de atendimento afetivo psicológico gratuito - ainda que eu não tivesse formação alguma em psicologia.  Qual a possibilidade de alguma relação afetiva dar certo nesse formato? Nenhuma. Eu me escanteei. Deixei o medo ser protagonista. Fugi de mim. O pavor do abandono me fazia sumir antes que esse momento chegasse, ou quando ele chegava eu literalmente excluía a pessoa da minha vida - culpa das relações digitalizadas também. Entre 2014 a 2016 vivi minhas únicas relações assumidas, de cinco meses cada uma. As duas terminadas por mim, apesar da segunda eu ter me arrependido e vivido um dos maiores lutos que jamais imaginaria em toda minha vida. Apesar de curta, parecia que eu havia perdido um pedaço de mim. E talvez tenha sido. Porque quando as relações se finalizam a gente se despede de um monte de coisas das quais acreditávamos ou planejávamos e que não mais irá acontecer, não com aquela pessoa, não estando com aquela pessoa. Esse rapaz que me envolvi veio de uma situação de amor platônico (dele por mim), e eu adorava contar essa história para as pessoas. O quão aquele rapaz tinha me observado e criado uma projeção que era bom de se ter como possível.  Pra mim, no caso. Porque pra ele viver em realidade quem eu realmente era, talvez não tenha sido assim tão legal. Depois entendi que essa projeção de ser o amor sonhado de alguém, tinha uma ligação direta com o sentimento que eu sentia em minha mãe. E perdi, perdi os dois. Quem era eu então? Deixei de existir? A real é que não tem como construir de si pela projeção dos outros, a isso chama-se cumprir expectativas. As pessoas são falhas. Eu, minha mãe, meu pai, os rapazes que me relacionei... cada um dentro de seus karmas e aprendizados. Não há bem e mal, certo e errado, mas o que fazer como tudo que se aprende e o que convém ou não ser repetido. Tou aqui, de frente para esses 35 com essas tantas fichas que caem, aprendendo a me amar, sozinha, sem depender de. Esse amor que nos fazem desejar é cruel. É urgente desaprendê-lo para que então, enfim seja construído o afeto genuíno ao qual acredito e me entrego. Um afeto que não se faz de ideal, mas real, porque as coisas na vida são assim. Nada é uma coisa só, nem pra mim, nem pra você. E entender o que não quero mais viver vale tanto quanto procurar estar aberta ao que quero, almejo, mereço viver - apesar da pandemia e do país que moro ser o brasyl. Construo o novo, quantas vezes for preciso.


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