Para Fred com carinho


pensei em como falar o quanto tou destruída, mas percebo nesse exato momento o quão é importante falar sobre o que aconteceu em vida. morar sozinha já morei. mas morar sozinha durante uma pandemia foi a primeira vez. sendo que no início do isolamento pandêmico eu dividida casa, então traz outro tipo de conforto, ao menos sobre convivência (ouvir outras vozes, dialogar, pode tocar ou ver de perto outras pessoas). nesse ano de 2021, todas as previsões astrológicas falavam sobre casamento e maternidade para o signo de gêmeos. a segunda previsão não me assustava, pois nem para a primeira havia algo encaminhado... apesar de que a ordem dos fatores não mudaria nada. dia 06 de janeiro me mudei, dia 19 de janeiro Fred chegou. tão pequeno que mal cabia na palma inteira de minha mão: um hamster anão. seu nome era Freud, na verdade, tinha sido presente para uma criança, que não se adaptou (nós seres humanos temos um jeito estranho de tratar relações de afetos para além de nós... aliás entre nós, com tudo), e quase virou comida de cobra pois quem presenteou a criança trabalhava na área de veterinária e imaginou esse segundo destino pro pequeno roedor. dias antes de Fred chegar, mais precisamente dia 12 de janeiro recebi a visita de uma mariposa aqui em casa, na sala, no quarto, ela só acompanhava e se fazia presente. tenho buscado muito os significados dos insetos, animais em suas aparições. aqui nessa nova casa eles são presença constante e isso me faz crer numa conexão absoluta com o universo e a natureza. descobri que a mariposa significa morte, transformação. temi por mim, já que eu ainda era a única moradora do lugar. pensei nas mudanças físicas e internas pelas quais tinha passado recentemente, será que era sobre isso? dia 02 de fevereiro eu fui ao mar, o tempo não tava bom, mas essa é uma data sagrada, uma amiga fez o convite. molhei os pés, agradeci. fui curada nesse dia, pois estava a beira da insanidade. com o passar das semanas fui estreitando laços com Fred, que a essa altura já havia mudado de nome, e tinha um espaço maior pra poder circular com mais aventuras. Fred me ensinou sobre a hora de comer, a hora do carinho, a hora de não forçar a barra... sim, já cuidei de outros animais ao longo de minha vida, mas ele era único. me fez retomar novos campos de responsabilidade, inclusive na confiança do saber cuidar de um ser tão frágil. de dia ele dormia, a noite tocava o terror. foi no dia 24 de abril que acordei e ele não estava em sua caixa. desesperei, chorei, achei que Fred tinha voltado ao seu destino de morte (ao lembrar que ele quase se tornou comida de cobra) e haviam possibilidades de buracos de ralo pela casa. até que me acalmei e fui procurar com mais calma por cada cantinho. até que entre caixas e poeira, achei o danado tomando seu banho (os hamsters tomam banho de forma parecida com os gatos, lambem as patas e vão passando em cada parte do corpo) bem tranquilo. consegui pegá-lo e o agarrei pro meu colo. alí eu entendi que Fred era dono da própria liberdade. dia 07 de junho Fred, que agora era Frederico, começou a ficar estranho. uma dificuldade em sua respiração. depois apareceu um abcesso em sua boca (uma espécie de caroço). fui tratando cada coisa de acordo ao que me havia sido orientado. foi descoberta também uma bronquite. tratei com todo suporte dia e noite, medicações em horários definidos. a respiração teve alguma melhora, o abcesso também, mas depois voltou a crescer e algo diferente também apareceu em seu umbigo. para além disso, nossa rotina se mantinha com momentos de desbravar o território de minha cama e brincar de escadas por entre minha mãos. até que Fred começou a ganhar peso de uma forma estranha. é fato que alguns hábitos seus tiveram que mudar na fase das medicações, contudo não imaginava que algo mais grave o estivesse acometendo. passamos uma semana do fim de junho e início de julho em que ele começou a dormir em minha mão. isso nunca tinha acontecido antes. fiquei feliz porque é uma demonstração grande de confiança. entregar o próprio sono a outro ser. porém dia 02 de julho, Independência da Bahia, algo aconteceu. nessa mesma madrugada sonhei que ele morria, que tava muito inchado e colocava tudo pra fora, esvaziava, literalmente. acordei assustada e fui atrás dele. o bichinho apenas dormia seu sono, com certa dificuldade porém profundo. coloquei ele no colo e deixei ele alí dormindo entre meu pescoço e meu chakra do coração. até que ele acordou, ficou agitado e o coloquei de volta em seu espaço. nesse mesmo dia algo de diferente pairava no ar. a noite ele recebeu todos os cuidados possíveis, mas já estava muito fraco. não conseguia fazer as necessidades e seu abdômen inchava cada vez mais. também já não conseguia mais comer. minha irmã me ajudou em tudo. até que entendemos que aquela era sim, uma despedida. depois que fiquei só com ele chorei, lágrimas sem fim. a morte por mais que conhecida será sempre novidade e contradição. o apego da presença, a necessidade do deixar ir para que a dor não mais permaneça. 6 meses construindo algo só nosso. me achei uma mãe péssima, como que não pude cuidar dele por mais tempo? apesar dos hamsters terem de fato uma vida breve, não era possível que o perdi tão rápido assim. ainda lembro de cada passo que conquistamos juntos, nos conhecendo, criando confiança, seus rompantes, sua energia, seu carinho. ao mesmo tempo nesses últimos dias estive em um processo seletivo, um bom cargo possível de trabalho. ía nos dar mais conforto. compartilhei com Frederico os planos de comprar uma casinha melhor pra ele, com mais brinquedos... não deu tempo. A vida é o agora. Acordei essa madrugada e ele ainda respirava, fraquinho... às 6h30 acordei de novo, fiquei com medo de olhar a casinha dele e sim, o coração já não batia mais. Fred se despediu. Agradeci sua presença, como já havia feito antes, fiz alguns rituais de despedida pois sua chegada até mim não foi à toa. Aceitei o luto... ainda estou aceitando. Tudo é dor. Tudo é memória. Tudo é breve. Aceito, nego, choro... até que o tempo dê jeito. Fred Frederico você foi um companheiro incrível e jamais esquecerei o que aprendi com sua breve passagem. Te amo.




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